Nos 30 municípios gaúchos que temem voltar a ser distritos devido a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), 90% da arrecadação, em média, depende de transferências federais e estaduais. Em 13 deles, os recursos próprios não chegam nem a 10% dos valores arrecadados em um ano.
Calculados a partir de dados de 2020 do Tribunal de Contas do Estado (TCE), os números refletem as dificuldades da maioria das prefeituras do país — em especial, onde a população é menor. No caso dessas 30 localidades (veja a lista abaixo), todas têm menos de 5 mil moradores e surgiram a partir da década de 1990, quando houve uma onda de emancipações.
À época, o fenômeno provocou polêmica, com comunidades lutando por autonomia e especialistas questionando a viabilidade financeira dos desmembramentos. Com a decisão do STF, que declarou inconstitucional uma lei estadual de 2010 autorizando a instalação de novos núcleos do tipo no Estado, o tema voltou à pauta — ainda que entidades como a Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) garantam, com base em argumentos jurídicos, que não haverá extinções.
Embora as estatísticas atestem a baixa capacidade arrecadatória, o ano de 2020 terminou com as finanças em ordem na maior parte das gestões desse grupo. Isso se deu, principalmente, devido ao impacto econômico do auxílio emergencial pago à população e do socorro federal aos entes públicos durante a pandemia.
Conforme os dados do TCE, apenas quatro das 30 prefeituras em questão registraram insuficiência financeira, isto é, falta de dinheiro em caixa para cobrir restos a pagar de anos anteriores. Só duas descumpriram a exigência de aplicação de 25% das receitas de impostos e transferências no ensino público. Todas, sem exceção, injetaram acima de 15% em saúde e comprometeram menos de 54% da receita corrente líquida com o funcionalismo, como manda a lei.
Por essas e outras razões, o presidente da Famurs, Eduardo Bonotto, diz que voltar atrás, agora, seria um equívoco.
— Grande parte dos municípios do Brasil, não somente os pequenos, tem como principais receitas o FPM e o ICMS. E, se a gente for avaliar as cidades emancipadas desde 1990, elas estão consolidadas. Basta olhar a evolução das comunidades em termos de prestação de serviços para perceber que a extinção seria um retrocesso. Não vislumbramos essa possibilidade em hipótese alguma — ressalta o dirigente, que é prefeito de São Borja.
Saída para elevar receitas próprias passa por reforma tributária
Enquanto o imbróglio jurídico provocado pela decisão do STF não se define, o professor do curso de Administração Pública e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Gestão Municipal da Universidade Federal do RS (UFRGS), Diogo Demarco, afirma que o momento deve ser encarado como uma oportunidade para discutir a fundo a divisão dos recursos públicos no Brasil, com maior atenção às prefeituras.
Na avaliação de Demarco, é urgente o debate em torno de uma ampla reforma tributária, sem perder de vista pautas que estão tramitando no Congresso e que podem ter reflexos de norte a sul do país — entre elas, a proposta de emenda à Constituição (PEC) 188, do governo federal. O texto sugere, entre outros pontos, a extinção de pequenos municípios sem autonomia financeira. Em caso de aprovação, 226 cidades gaúchas (45,5% do total) poderão ser incorporadas por outras maiores.
— É importante que a sociedade discuta tudo isso, levando em conta os diferentes elementos da equação — diz Demarco, lembrando que, quando se analisa índices de qualidade de vida e de gestão pública, são os pequenos municípios que se sobressaem.
O pesquisador argumenta que a capacidade municipal de gerar receitas próprias é limitada às atuais regras do jogo. Se elas não mudarem, as prefeituras seguirão dependentes de repasses.
— Cabe aos municípios arrecadar IPTU, ITBI e ISS, mas, nas cidades menores, a economia é baseada principalmente na agropecuária. Tudo isso precisa ser discutido. É claro que é possível melhorar a eficiência no recolhimento de IPTU, mas, se não houver a possibilidade de arrecadação em outras fontes, que hoje estão nas mãos da União e dos Estados, não tem solução. É preciso alterar a matriz tributária — defende o especialista.
A decisão do STF
Por unanimidade, o STF declarou inconstitucional uma lei estadual de 2010 que permitiu a emancipação e instalação de novos municípios no RS
O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4711, movida pela Procuradoria-Geral da República (PGR), foi finalizado em 4 de setembro e teve decisão publicada no dia 8
Efeitos práticos
Há dúvidas sobre o resultado prático da decisão, que, em tese, poderia atingir ao menos 30 municípios gaúchos
Entidades municipalistas entendem que a lei foi declarada ilegal apenas daqui para frente, sem cassar seus efeitos pretéritos, já que os municípios criados até 31 de dezembro de 2006 tiveram seus atos validados pela Emenda Constitucional nº 57, de 2008
Com base nisso, a Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) firmou convicção, em reunião na última quarta-feira (15), de que não haverá extinções e tudo seguirá como está
A mesma posição foi externada pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE)
Os 30 municípios do RS que estariam em risco
Aceguá
População: 4.981
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: Bagé
Almirante Tamandaré do Sul
População: 1.935
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: Carazinho
Arroio do Padre
População: 2.966
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: Pelotas
Boa Vista do Cadeado
População: 2.466
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: Cruz Alta, Ijuí e Augusto Pestana
Boa Vista do Incra
População: 2.628
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: Cruz Alta e Fortaleza dos Valos
Bozano
População: 2.099
Data de Instalação: 01/01/2001
Origem: Ijuí
Canudos do Vale
População: 1.693
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: Lajeado
Capão Bonito do Sul
População: 1.628
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: Lagoa Vermelha
Capão do Cipó
População: 3.745
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: Santiago, São Miguel das Missões e Tupanciretã
Coqueiro Baixo
População: 1.490
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: Nova Bréscia e Relvado
Coronel Pilar
População: 1.602
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: Garibaldi e Roca Sales
Cruzaltense
População: 1.765
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: Campinas do Sul
Forquetinha
População: 2.389
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: Lajeado
Itati
População: 2.377
Data de Instalação: 01/01/2001
Origem: Terra de Areia
Jacuizinho
População: 2.718
Data de instalação: 01/01/2001
Lagoa Bonita do Sul
População: 2.939
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: Sobradinho
Mato Queimado
População: 1.611
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: Caibaté
Novo Xingu
População: 1.705
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: Constantina
Paulo Bento
População: 2.303
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: Erechim, Jacutinga, Ponte Preta e Barão de Cotegipe
Pedras Altas
População: 1.928
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: Herval e Pinheiro Machado
Pinhal da Serra
População: 1.896
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: Esmeralda
Pinto Bandeira
População: 3.068
Data de instalação: disputas jurídicas levaram o município a ter duas datas de instalação com base nas legislações recentes. Uma em 2001, depois anulada, e outra em 2013
Origem: Bento Gonçalves
Quatro Irmãos
População: 1.860
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: Erechim e Jacutinga
Rolador
População: 2.270
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: São Luiz Gonzaga
Santa Cecília do Sul
População: 1.630
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: Tapejara
Santa Margarida do Sul
População: 2.593
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: São Gabriel
São José do Sul
População: 2.464
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: Salvador do Sul, Montenegro e Maratá
São Pedro das Missões
População: 2.025
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: Palmeira das Missões
Tio Hugo
População: 3.078
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: Victor Graeff, Ernestina e Ibirapuitã
Westfália
População: 3.046
Data de instalação: 01/01/2001
Origem: Teutônia e Imigrante
Fonte: IBGE Cidades e Famurs
Postado por Paulo Marques