Vestindo uma camiseta da Polícia Civil, uma menina de quatro anos se aconchegou de volta nos braços da mãe no início da manhã do último domingo (20), em Palhoça, Santa Catarina. A criança havia sido levada de dentro de casa, no município da Grande Florianópolis. O resgate aconteceu cerca de 30 horas após o sequestro, quando os policiais localizaram o cativeiro, no norte da Ilha. O foco dos investigadores no momento é entender o que motivou o casal, preso em flagrante, a cometer o crime.
Os nomes dos presos não foram divulgados, mas a polícia confirmou que o casal é natural do Rio Grande do Sul. Os dois seriam moradores de Santiago, na Região Central, antes de se mudarem para Santa Catarina há alguns anos. A Polícia Civil tenta no momento traçar o perfil deles e compreender o que os motivou a decidirem pelo sequestro da menina.
Imagens deles foram divulgadas nas redes sociais e acabaram auxiliando a polícia a receber novas informações. Pelo menos quatro famílias procuraram os policiais e relataram que as mesmas pessoas teriam tentado se aproximar de seus filhos. Alguns disseram que eles afirmavam ser professores e se ofereciam para levar as crianças à praia.
Um caso revelado pelo portal ND Mais é o de uma mulher que contou que dois dos três filhos tiveram contato com o casal, que teria se oferecido para prestar ajuda à família. Ela relatou que uma das filhas, de oito anos, chegou a sair com os dois algumas vezes, para ir à praia. A menina também teria dormido na casa deles. A mesma mulher relatou à reportagem que o casal teria dito que estava prestes a adotar uma menina, entre dois e quatro anos.
A mãe da menina sequestrada é uma diarista de 44 anos, também natural do Rio Grande do Sul, no município de Santa Maria, e que vive em Santa Catarina há quase uma década. Moradora do bairro Pacheco, ela ainda se recupera dos ferimentos na cabeça e hematomas pelo corpo causados pelo ataque dos criminosos. Ao entardecer da sexta-feira (18), ela estava em casa com a filha, quando ouviu uma batida na porta.
— Abre, mãe, sou eu — respondeu alguém, do lado de fora.
Pensando que se tratava de um dos filhos, a mulher abriu a porta, mas não encontrou ninguém — estava escuro no acesso ao apartamento. Quando ela projetou o corpo para fora, para ver melhor, foi atingida por uma pancada de ferro — a polícia acredita que tenha sido usada uma barra de ferro e uma faca, que foi encontrada no local. A mãe seguiu recebendo uma série de golpes nas costas e na cabeça e ainda conseguiu se agarrar na filha, tentando evitar que a criança fosse levada. Mas alguém puxou a menina, antes dela desmaiar nas escadas.
Socorrida por um vizinho, a mulher precisou ser encaminhada para o hospital. Quando retomou a consciência, ela contou aos policiais o que havia acontecido e revelou suas suspeitas sobre um casal que pouco mais de uma semana antes tinha estado na casa. A mãe da menina relatou que os dois se aproximaram da menina, nas escadas de acesso ao prédio, e se ofereceram para dar um brinquedo para ela. Mas a mulher recusou e os dois acabaram indo embora.
Dias depois, um novo contato foi feito pelas redes sociais e WhatsApp. Na sexta-feira, mesmo dia do sequestro, uma mulher enviou mensagem dizendo ser uma mãe que estava querendo ajudar outras, com entrega de cestas básicas. Nas redes sociais, o mesmo casal fez uma postagem em julho pedindo doações para distribuir alimentos, fraldas, roupas de bebê ou crianças para famílias do norte da Ilha. No mesmo perfil, ele se identificava como dono de uma academia e os dois publicavam fotos frequentes sobre vida saudável.
A partir da descrição feita pela mãe foi possível produzir um retrato falado do casal, utilizado pelos investigadores para tentar localizá-los. A mulher afirmava que os sequestradores eram um homem de cabelos pretos, que poderia ter origem estrangeira, e uma mulher branca com cabelos loiros ou grisalhos, óculos e uma mecha colorida nos cabelos. Além disso, o que a polícia sabia é que os sequestradores teriam usado um Gol G3 branco para levar a menina da casa.
Resgate do cativeiro
Desde que o sequestro foi comunicado, diferentes equipes da Polícia Civil e da Polícia Militar foram reunidas em buscas de informações do paradeiro da menina. Os policiais checaram uma série de endereços, onde se havia alguma suspeita. Os agentes também receberam muitos boatos e informações falsas. Na madrugada de domingo, seguiram para mais um endereço onde acreditavam que poderia ser o cativeiro, uma casa no bairro Cachoeira do Bom Jesus, em Florianópolis, a cerca de 50 quilômetros do local do sequestro.
A primeira confirmação veio com o veículo idêntico ao usado no sequestro, estacionado na residência. Quando entraram na casa, depararam com um homem com descrição muito semelhante a feita pela mãe da menina. Um dos pontos que chamou atenção era a situação em que estava a casa.
— Era uma bagunça generalizada, sem condições nenhuma de estadia de qualquer ser humano. Fezes de animais, misturadas com roupas, e brinquedos macabros. Bonecos pintados como se fosse filme de terror — descreveu o delegado João Fleury, da Delegacia de Combate ao Crime Organizado de Florianópolis.
Inicialmente, o homem negou que houvesse mais alguém na casa, mas depois confirmou que a companheira estava no andar de cima com a menina, de quem disse que estariam cuidando. Os policiais encontraram a garota nos braços da mulher.
— Ela não soltava a criança, de maneira alguma. Foi dada voz de comando para que ela largasse a criança, mas ela não atendia — descreveu o delegado Fabio Pereira, da Delegacia de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso de Palhoça.
Os policiais conseguiram retirar a menina dos braços da mulher. A criança foi levada para fora da casa. Apesar do susto, ela não teve nenhum ferimento.
— Ela (menina) estava bem assustada, percebia-se que de fato ela não queria permanecer com aquele casal. Ela teve um momento de alegria quando viu os policias. Na viatura, estava alegre, voltou conversando. Chegou a falar que nós éramos os super-heróis dela — descreveu o delegado Fleury.
A menina desembarcou do veículo no colo de uma policial. Primeiro foi abraçada pela irmã e na sequência se agarrou no pescoço da mãe. Após o episódio, a família deixou a casa onde vivia, e a criança deverá passar por tratamento psicológico.
O casal foi preso em flagrante por sequestro qualificado, por conta da idade da menina, inferior a 18 anos. A polícia não detalhou o que foi dito em depoimento pelos dois. A casa onde ficava o cativeiro passou por perícia em buscas de pistas. Os investigadores têm 10 dias, a contar da data da prisão, para concluir o inquérito. A Chefe da Polícia Civil do RS, Nadine Anflor, informou que colocou as equipes à disposição para auxiliar no caso, caso seja necessário.
Postado por Paulo Marques