Um dos principais produtos agrícolas brasileiros, a soja, se tornou um novo ponto de tensão entre o presidente americano, Donald Trump, e o governo chinês. Em retaliação à alta de tarifas sobre bens industrializados da China, o governo de Xi Jinping passou a tributar em 25% diversos produtos agrícolas americanos, entre eles a soja. As informações são do Portal G1.
Quem acabou ganhando com isso, pelo menos no curto prazo, foi a soja brasileira. Como o grão americano ficou mais caro, a China substituiu as compras dos EUA pelo produto do Brasil. Com isso, nosso país se tornou o maior exportador de soja para China – e do mundo – ultrapassando os EUA.
Segundo a imprensa americana, Donald Trump não encarou com naturalidade essa troca. O assunto foi amplamente noticiado na semana passada pelos principais veículos americanos. Segundo reportagem da emissora CNN, o presidente dos EUA estaria "insatisfeito" com a China por causa da substituição da importação de soja americana pela brasileira.
Uma reportagem da revista Forbes diz que a compra de soja do Brasil é uma decisão política, não só comercial, da China, com o objetivo de punir os EUA e reduzir a importância do país como fornecedor de commodities.
Já o site de notícias Bloomberg, em reportagem de destaque no dia 15 de agosto, afirmou que a China acabara de fazer uma grande encomenda de soja brasileira, em substituição do produto americano.
Em 2018, o primeiro ano da guerra comercial, as exportações brasileiras para a China cresceram 35% na comparação com 2017, gerando uma balança comercial positiva para o Brasil em US$ 30 bilhões. A soja foi a maior beneficiada, com uma exportação adicional de US$ 7 bilhões para a China, na comparação com 2017.
Neste primeiro semestre, a exportação de soja caiu 20% na comparação com o mesmo período de 2018, conforme dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Mas isso ocorreu porque a demanda da China sofreu uma redução, explicou o presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja), Bartolomeu Braz.
A gripe suína da África chegou à China neste ano atingindo a produção de suínos, reduzindo a demanda por soja no país, já que esse grão compõe a ração dos animais.
Apesar de ter vendido menos que em 2018, o Brasil continua a ser o principal parceiro comercial da China na venda de soja. O Departamento de Agricultura dos EUA estima que o setor de exportação de grãos vai precisar de pelo menos cinco anos para voltar a obter resultados como os de 2017.
Uma das condições de Trump para negociar a retirada de tarifas sobre produtos chineses era a China passar a comprar mais produtos agrícolas americanos. O acordo que ele tentava empurrar para Xi Jinping previa um aumento das importações de grãos e alimentos dos EUA a patamares maiores que os anteriores à guerra comercial – o que prejudicaria outros exportadores de commodities, como o Brasil.
Mas, até agora, o presidente americano não conseguiu arrancar esse compromisso e tem respondido com aumentos adicionais de tarifas.
Apesar da insatisfação do governo americano com os ganhos do setor de soja brasileiro, os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que a própria política protecionista de Trump se voltou contra os agricultores dos EUA.
E mais: de acordo com o professor Andrew Milovan, da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, foi uma política protecionista de outro presidente republicano dos EUA, Richard Nixon, que inicialmente catapultou o setor de exportação de soja do Brasil.
Ele conta que, na década de 1970, havia grande preocupação com a alta da inflação nos EUA, causada por diferentes fatores. O governo americano estava se endividando com a guerra do Vietnã e eventos climáticos fora do comum provocaram escassez de grãos na Rússia e de proteínas na América do Sul e Ásia. Isso fez com que os preços dos produtos agrícolas subissem muito.
Para tentar conter a alta dos preços, Nixon temporariamente congelou preços de alimentos e restringiu exportações de grãos. Grande parte da soja consumida pelo Japão era produzida nos EUA. A medida de Nixon durou só três meses, mas os japoneses chegaram à conclusão de que não poderiam confiar nos EUA como principal exportador desse produto.
O governo japonês passou, então, a procurar novos parceiros e viu no Brasil um potencial fornecedor. Os japoneses investiram em infraestrutura no Brasil, emprestaram dinheiro por meio de um fundo de desenvolvimento, e compartilharam expertise. Isso foi essencial para sofisticar o setor exportador de soja brasileiro.
Ou seja, um dos efeitos colaterais da política de Nixon foi criar para os Estados Unidos um grande rival na produção de soja. E agora, Trump parece estar cometendo o mesmo erro, diz o professor americano.
Antes da guerra comercial, o Brasil era o segundo maior exportador de soja do mundo. Agora, é o primeiro.
Embora no curto prazo a guerra comercial entre China e EUA beneficie alguns setores produtivos brasileiros, a longo prazo essa disputa tem potencial para prejudicar a economia do Brasil e do mundo como um todo. Há um risco de diminuição do ritmo de comércio mundial que pode afetar a previsão de crescimento da economia brasileira.
O presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja), Bartolomeu Braz, destaca que, como a produção de soja nos EUA perdeu um comprador importante, haverá um grande excedente de produção lá e isso pode puxar para baixo os preços dos grãos no mercado internacional.