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Sentença de juíza de Canoas expõe polêmica da reforma trabalhista

Sentença de juíza de Canoas expõe polêmica da reforma trabalhista
Reprodução
  • 07/01/2018 - 13:23
O caso envolvendo um almoxarife condenado a pagar R$ 20 mil a uma empresa de Canoas, após perder o processo pelo qual buscava indenização por acidente sofrido a caminho do emprego, traz à tona uma controvérsia da reforma trabalhista em vigor desde 11 de novembro. A ação foi ajuizada em junho de 2016, cerca de um ano antes de a legislação ser modificada pelo Congresso, mas os conceitos que embasaram a decisão judicial que condenou o homem seguiram as novas regras. Isso ocorreu porque a sentença do caso saiu apenas no último dia 30 de novembro, com as alterações em vigência.
Os honorários
A quantia a ser desembolsada pelo almoxarife deverá compensar custos que a empresa teve na defesa, chamados de honorários de sucumbência. Esse tipo de pagamento faz parte das novidades da reforma para trabalhadores que perderem ações movidas contra companhias. A juíza Adriana Kunrath, da 5ª Vara do Trabalho de Canoas, menciona na sentença um dos entendimentos existentes sobre a reforma trabalhista: "O Direito brasileiro guia-se pelo sistema do isolamento dos atos processuais (...). Assim, as normas processuais trabalhistas estabelecidas na Lei 13.467/17 (reforma trabalhista) aplicam-se de imediato aos processos em curso, atingindo-os na fase em que se encontram".
O valor de R$ 20 mil a ser pago pelo almoxarife também foi determinado com base na reforma trabalhista. A nova lei aponta que os honorários devem responder por 5% a 15% do montante das causas julgadas. Como o processo de Canoas foi estimado em R$ 200 mil, os R$ 20 mil correspondem a 10% do total.
A origem da ação
O acidente de trânsito que deu origem ao processo ocorreu em janeiro de 2011. À época, o ex-funcionário usava o transporte fornecido pela empresa para ir ao trabalho. Mas, em uma ocasião, ele teria sido esquecido em casa. Por isso, usou a sua moto para ir  até a empresa. No caminho, envolveu-se em uma batida com outro veículo. Para a juíza, a empregadora não teve culpa no caso:
"O acidente ocorreu em razão de ato de terceiro, o que afasta o nexo causal e exime o empregador de qualquer responsabilidade. É irrelevante na espécie o fato de o ônibus ter ou não passado na casa do autor, porquanto dito acidente também poderia ter ocorrido com ônibus em que os empregados da reclamada são levados ao trabalho e ainda assim a reclamada não teria responsabilidade".
Depois do episódio, o trabalhador teve sequelas e ficou afastado das atividades laborais até outubro de 2012. Em 2015, foi demitido quando a empresa fechou a unidade em Canoas. No processo, o homem cobrava a suposta responsabilidade da companhia pelo acidente, dano moral e pensão vitalícia.
A divergência
Apesar de a juíza citar referências da área jurídica para embasar a decisão, incertezas relacionadas à nova legislação estimulam diferentes leituras sobre o caso. Uma das visões aponta que, como o processo começou antes da reforma, não poderia ter a sentença baseada nas regras atuais.
– Quando o trabalhador ajuizou a ação, essas alterações nem eram cogitadas. Há insegurança jurídica no país – defende a advogada trabalhista Carolina Mayer Spina Zimmer, do escritório Lini & Pandolfi.
Para tentar reverter a decisão, a defesa do almoxarife enviou recurso ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 4ª Região, com sede em Porto Alegre.
– Pelo que estudei, até junto aos enunciados já aprovados pelo TRT (da 4ª Região) e pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho), não deveria haver condenação de honorários de sucumbência nesse caso, considerando que a ação foi ajuizada antes da entrada em vigor da reforma trabalhista. O empregado não poderia ser surpreendido com a nova legislação. Mas há quem entenda que a sucumbência é regra processual e, portanto, de aplicação imediata. É uma matéria controversa, porque há fundamentação para os dois lados – explica Guilherme Wünsch, professor da Unisinos e advogado trabalhista. 
O planejamento
A sentença ainda carrega outro ponto da nova legislação. Especialistas lembram que há a possibilidade de que o montante de R$ 20 mil não precise ser pago pelo trabalhador, já que a cobrança ficará suspensa por dois anos. O intervalo foi concedido pela juíza para que ele faça o planejamento financeiro necessário. Caso a empresa seja incapaz de provar que o homem terá recursos para quitar o valor, a dívida não será cobrada.
– A juíza condenou o trabalhador, mas suspendeu a exigência da cobrança, já que ele ganhou o benefício de Justiça gratuita. A empresa terá dois anos para tentar apontar bens e recursos suficientes do ex-funcionário para cobrar os honorários – diz o advogado Guilherme Wünsch.
Em sua decisão, a juíza explica que, com a reforma, o direito à Justiça gratuita pode ser concedido a quem receber salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social – ou seja, R$ 2.212,54. "Considerando os documentos acostados aos autos, verifico que o autor recebeu remuneração inferior ao limite legal, pelo que concedo o benefício da Justiça gratuita", relata.
– Antes, bastava a assinatura de declaração de hipossuficiência econômica para atestar que o trabalhador não teria condições de arcar com os custos do processo. Era mais fácil. Com a reforma, para conseguir o benefício, é preciso que o trabalhador comprove a sua situação financeira, apresentando documentos como contracheques ou declarações de Imposto de Renda, por exemplo, nos casos em que não se enquadre na hipótese de concessão automática – ressalta Wünsch.
O futuro
Segundo Wünsch, a possibilidade de cobrança de honorários de sucumbência em caso de derrota nos tribunais pode fazer com que empregados com menos recursos financeiros repensem o ingresso na Justiça, por não possuírem condições de arcar com o risco. 
Para Antonio Carlos Aguiar, professor da Fundação Santo André e diretor do Instituto Mundo do Trabalho, a mudança trazida pela reforma tem potencial para dar "mais seriedade" aos processos.
– Havia casos em que as pessoas faziam vários pedidos de indenizações, por diferentes motivos, como danos morais e horas extras, de uma só vez. Agora, as solicitações aventureiras não existirão mais. O nível do processo e a seriedade ficarão muito melhores – projeta Aguiar, que classifica as dúvidas relacionadas à reforma como normais no momento de transição.
Na avaliação do presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Feliciano, a redução no nível de incertezas da nova legislação passa por "discussões que levarão tempo". 
De acordo com o dirigente, as dúvidas de aplicação de normas resultam da maneira pela qual a reforma foi discutida no Congresso.
– A população não foi ouvida. É claro que isso traria incertezas. Como fazer para uniformizar a lei? Com tempo e debate jurídico. O TST deve sinalizar alguma instrução normativa – analisa Feliciano.
Postado por Paulo Marques
Fonte: Ga